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Ministro Juca Ferreira bate-papo com escritor Mia Couto

Encontro, em Maputo, com intelectual moçambicano rendeu longa conversa sobre arte e política


por Portal Brasil


publicado:
29/09/2015 17h01


última modificação:
29/09/2015 17h01

Entre 6 e 11 de setembro, uma missão oficial brasileira passou por Moçambique e Angola para reativar antigos projetos e abrir novas fronteiras na agenda de cooperação cultural entre Brasil e África. Em Maputo, o ministro da Cultura brasileiro, Juca Ferreira, esteve com Mia Couto, o escritor moçambicano mais traduzido do País.

O encontro foi realizado na sede da fundação que leva o nome do pai do Mia, Fernando Leite Couto, poeta e jornalista moçambicano (morto em 2013). Na conversa, foram abordados, entre outros assuntos, arte, política, democracia racial e as afinidades entre as duas nações.

Confira a seguir os melhores momentos do diálogo entre Juca Ferreira e Mia Couto. A íntegra pode ser lida aqui.

Juca Ferreira: Você e o escritor angolano José Eduardo Agualusa são muito populares no Brasil, em escolas, na juventude, entre as pessoas mais cultas. Vocês escrevem de uma forma que, para nós, é muito familiar.

Mia Couto: Estava a dizer ao embaixador (do Brasil em Moçambique, Rodrigo Baena), que, para nós, para essa geração a que o Agualusa também pertence, isso vem simplesmente resgatar uma ponte. Quando eu era jovem, meu pai fazia parte de um grupo de intelectuais que tinha uma ligação fortíssima com o Brasil. O Brasil dava respostas a algo que nós estávamos a procurar na ruptura com Portugal e com a própria Língua. Vocês já estavam nessa escola desde o Século XVIII.

Juca Ferreira: Sim, vínhamos experimentando isso havia séculos. O Brasil chegou a produzir uma língua geral, que era uma mistura de línguas africanas, indígenas e o português. Os portugueses proibiram. Ficou um português mestiço.

Mia Couto: Um português muito bonito, muito rico e, para nós, muito inspirador. Eu me lembro de um momento da minha vida, com seis ou sete anos, quando escutei, na varanda da minha casa, em Beira, próxima ao mar, o Dorival Caymmi. O meu pai tinha uma ligação fortíssima com a voz dele e com o modo como o mar estava presente nessa voz rouca e doce. Escutei aquela língua que era minha, mas não exatamente aquela que eu conhecia, e aquilo me instigou muito. Depois, Jorge Amado, toda a poesia… Drummond, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto. Meu pai era um poeta que cresceu nessa fonte de inspiração. Quando eu conheci, mais tarde, Guimarães Rosa e o poeta do Pantanal, Manoel de Barros, simplesmente encontrei uma coisa que já estava nas ruas da minha cidade. O que eles faziam não era só literatura. Eles abriram a porta para um modo de falar que já estava aqui implantado, do outro lado do Atlântico. Porque se trata, afinal, de um retorno, de uma devolução. Muito do que vocês fizeram e fazem no Brasil resulta da assimilação de uma lógica africana de apropriação do português.

Juca Ferreira: Estamos pensando em promover uma celebração, desde agora até 2022, sobre a Semana de Arte Moderna. Os Modernistas colocaram isso no centro da reflexão no Brasil, de como se chegar a ser universal a partir da singularidade brasileira. De pensar se somos o ocidente ou se nós somos o oriente do ocidente.

Mia Couto: Essa é uma busca que não tem fim. É uma ideia que não tem limites, uma discussão infinita. Moçambique tem uma visão romântica do Brasil. Uma parte de nós procura um espelho do lado de lá. Muito moçambicano vai ao Brasil e fica dividido entre o fascínio e a desilusão. Não era aquilo que eles esperavam. A ideia de uma sociedade completamente integrada racialmente… Não é isso. Isso não existe em lugar nenhum do mundo. Ninguém foi capaz de conseguir isso de forma completa, verdadeira.

Juca Ferreira: Durante muito tempo, nós tivemos essa ilusão de uma democracia racial no Brasil. Os movimentos negros contemporâneos é que chamaram atenção, insistentemente, para a realidade. Joaquim Nabuco, um abolicionista, já havia previsto que a mancha da escravidão estaria presente durante séculos na sociedade brasileira, se reproduzindo.

Mia Couto: Aqui também. Somos uma sociedade muito marcada por hierarquias, fronteiras. Sacudimos muito isso depois da independência. A independência foi um passo fundamental. Mas acho que é uma grande mentira pensar que estamos livres disso. Vemos no desenho da cidade, na arquitetura da cidade… É uma luta.

Juca Ferreira: Acho que os artistas têm papel importante nisso. Porque são porta-vozes de utopias, desejos. A arte densa traz sempre a crítica ao momento em que vivemos. No Brasil, passamos por um momento de baixa ao relacionar a singularidade brasileira com a dimensão universal, mas vamos retomar logo.

Mia Couto: Sempre que tenho encontro com gente da cultura do Brasil, para mim, é um regresso, é um retorno. É difícil traçar fronteira onde começa uma coisa e acaba a outra. Onde é que nós somos moçambicanos, onde que já somos brasileiros e vice-versa. Acho que se pudermos trabalhar juntos para que brasileiros e moçambicanos se encontrem nessa fabricação de histórias, que têm a ver uns com os outros, seria o ideal.

Fonte: Portal Brasil, com informações do Ministério da Cultura