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Roteirista americana comenta o cinema negro

Convidada do festival Latinidades, Kathleen McGhee Anderson aborda bastidores da produção de cinematográfica em seu país


por Portal Brasil


publicado:
24/07/2015 16h02


última modificação:
24/07/2015 16h02

Primeira roteirista negra americana, Kathleen McGhee Anderson escreve há 35 anos para teatro, cinema e televisão e também atua como produtora e consultora artística. Entre seus trabalhos estão roteiros para episódios das séries O toque de um anjo e The Cosby Show e para os filmes As cores da amizade e Sunset Park. Kathleen é uma das convidadas da oitava edição do Latinidades, o Festival da Mulher Afro Latino-Americana e Caribenha, realizado em Brasília entre 22 e 26 de julho. Ela esteve no evento para participar da mesa “Afinal, o que é cinema negro?”, realizada na última terça (22 de julho). Sobre este assunto, a roteirista conversou com o Portal Brasil.

A senhora conhece alguma coisa de cinema brasileiro? E, especificamente, de cinema negro brasileiro?
Só conheço alguns filmes brasileiros. É muito difícil ser exposto a filmes de outros países nos Estados Unidos. Entretanto, alguns filmes se tornaram mais conhecidos. Um dos mais antigos que me vem à cabeça é Orfeu Negro (produção ítalo-franco-brasileiro de 1959, dirigida por Marcel Camus, adaptação de peça de Vinícius de Moraes), que tem uma importância histórica. O outro é Cidade de Deus, que também teve um grande impacto nos Estados Unidos. Para mim foi uma experiência agradável e também educadora – poder ver a luta de classes que acontece no Brasil, especialmente com a juventude desprivilegiada na favela. Isso espelha a luta de classes que temos nos Estados Unidos e provavelmente é por isso que ressoou em mim e em outras pessoas de cor. É um filme bonito de se ver – ainda que em alguns momentos eu tenha ficada horrorizada com a representação cinematográfica – a cor, a energia, a vitalidade são fascinantes e os personagens vão além do que estamos acostumados a ver no cinemão de Hollywood. É uma tragédia, mas ao mesmo tempo, uma celebração da sobrevivência e do amor. Entretanto, eu não tive a sorte de ver filmes brasileiros com mais regularidade. A música de Antônio Carlos Jobim está em muitos filmes. E um dos primeiros filmes que me influenciou a querer ser diretora tinha bossa nova na trilha sonora, o francês Um homem e uma mulher (de 1966, dirigido por Claude Lelouch).

Afinal, o que é cinema negro?
O tema para o qual eu fui convidada a discutir foi especificamente “O que é cinema negro?” e eu falo disso do ponto de vista da minha experiência, o que quer dizer, o cinema negro nos Estados Unidos. Eu sei que existe uma abordagem global sobre o assunto, mas sem ter tido mais exposição a isso, eu não conseguiria falar a respeito. É uma pergunta tão ampla, mas ao mesmo tempo estreita em sua definição. Cinema negro pode ser simplesmente definido como cinema para audiências negras, feito por cineastas negros, sobre pessoas negras. Mas quanto mais eu penso sobre a pergunta, mais elementos e respostas me vêm à cabeça. Por exemplo, a história do cinema negro nos Estados Unidos era nula, quase inexistente, até talvez os anos 1960, quando afro-americanos começaram a fazer mais parte do mainstream socialmente. Foi quando ultrapassamos as cotas e o movimento dos direitos civis e começamos a nos ver na tela. Não necessariamente em filmes feitos por cineastas negros, mas fomos reconhecidos como uma parcela de expectadores a ser atendida, então a era do blaxploitation (filmes policiais estrelados por negros) começou. E eu acho que a blaxploitation ainda existe – mesmo que não seja mais chamada dessa forma – que é um cinema inclinado a espetacularizar a imagem e a temática negra. Não necessariamente para educar, para elevar, simplesmente para conseguir parte das bilheterias. E essa atitude existe ainda hoje nos EUA, onde os atributos artísticos e de exaltação não são necessariamente buscados. A indústria, claro, é um negócio. Sendo assim, as qualidades que os afro-americanos poderiam estar interessados em ver projetadas na tela – sobre nossa cultura, celebrar nossas famílias, lidar com questões sociais – não são necessariamente o que vemos nos filmes. As bilheterias são lideradas pelos blockbusters, filmes com violência e sexo, características que não são representativas ou positivas para nenhuma parte da nossa cultura, branca ou negra. Então eu ainda acho que a blaxploitation existe porque se trata de fazer dinheiro e capitalismo. É o que domina o negócio.

O diretor afro-americano Spike Lee criticou o diretor Quentin Tarantino (branco de ascendência italiana) por conta do filme Django Livre. O que a senhora acha desse episódio?
Eu adoro Django Livre. Acho que ambos os diretores se consideram artistas com contribuições para o cinema e ambos têm diferentes pontos de vista sobre escravidão. Spike, provavelmente, se acha mais autêntico porque tem uma perspectiva afro-americana. Tarantino é, e sempre foi, fascinado pela cultura afro-americana. Ele ama Samuel L. Jackson, que está no elenco de vários de seus filmes, e ama Pam Grier, estrela de Jackie Brown. E ele não se envergonha de ser um fã da cultura negra. Eu acho que ambos os diretores têm o direito de representar a escravidão na tela. Ninguém tem um monopólio sobre a representação da nossa história. Acho que o Spike talvez tivesse preferido ver uma reinterpretação histórica sobre a escravidão mostrada de outra forma. Mas ele sugerir que o Tarantino não tem o direito de fazer um filme que é parte da história dos Estados Unidos, isso não ressoa em mim. Eu gosto dos filmes do Tarantino – ele tem um manifesto, ele claramente fez um filme contra a escravidão. E eu o aplaudo por isso.

Poderia recomendar alguns filmes do cinema negro?
Nos bastidores da fama (Beyond the lights), de Gina Prince-Bythewood, que está presente na programação do Latinidades, é uma história de amor contemporânea, dirigida por uma mulher. Lida com a indústria musical. Tem ótimas atuações, e é feito por uma diretora que celebra a arte de fazer cinema. Selma – Uma luta pela igualdade, sobre Martin Luther King, é um filme cheio de significado e muito espiritual. Doze anos de escravidão também é ótimo. Eu acho Spike Lee um grande cineasta, adoro Faça a coisa certa, Uma família de pernas pro ar (Crooklyn), Malcolm XOs donos da rua (Boyz n the hood), de John Singleton, também é seminal. Gostei muito de Bem-amada, do Jonathan Demme. Recentemente, gostei muito da animação Chico e Rita, que mostra uma história de amor entre pessoas de cor – e são tão poucos os filmes que mostram isso. Eu acho que filmes deveriam mexer emocionalmente com as pessoas. Você pode sair do cinema e nunca mais pensar no filme se ele não mexer emocionalmente com você. As emoções do espectador são as principais qualidades que um cineasta deve tentar atingir.

Fonte: Portal Brasil, IMDB e Kathleen McGhee Anderson